Um dia, depois de anos e anos a acordar com hora marcada para chegar a horas ao emprego, depara-mo-nos com a dura realidade de já não ser preciso acordar cedo.
Acordar cedo é para quem tem o que fazer, para quem tem para onde ir, não para quem repentinamente se depara com o desemprego e não tem hora marcada para nada, nem tarefas obrigatórias a cumprir.
Acordar cedo para quê?
Quanto mais cedo se acorda, mais tempo temos para nada fazer, mais tempo temos para pensar no vazio em que repentinamente a vida se tornou.
Dizem-nos que temos que contrariar esses pensamentos, que não nos podemos entregar ao desemprego. É verdade, não podemos. Mas com o passar do tempo, o desemprego deixa de ser uma situação, para passar a fazer parte de um estado de alma, e é difícil controlar e contrariar o que nos vai na alma.
Atrasam-se contas, passamos a ter insónias, deixamos de viver, passamos a sobreviver.
Mandam-se currículos, responde-se a anúncios, vivemos na esperança que um dia alguém se distraia e nos telefone.
Perdemos a auto estima, afasta-mo-nos das pessoas, fingimos que estamos bem perante quem nos ama, para não os preocupar.
Descobrimos que afinal temos menos amigos do que pensávamos.
Passamos a ter uma constante roda de pensamentos, tal montanha russa a alta velocidade, sem que se consiga encontrar a saída.
O desemprego obriga-nos a aprender a viver um dia de cada vez, a aprender a perder e a recomeçar, a aprender que o que não tem solução, solucionado está.
Pensamos muitas vezes em atirar a toalha ao chão, mas não podemos, a vida é mais que um qualquer combate de boxe, em que se atirar-mos a toalha ao chão teremos hipótese de outro combate.
E quando, ao fim de dois anos, a rotina volta, descobrimos que outra dura batalha se avizinha.
Que o desemprego acabou, mas que deixou feridas abertas, e que por mais pensos que tentemos colocar, só o tempo e a capacidade de recuperação serão capazes de as fechar...
Comments